Este artigo pretende analisar a atual política de intervenção do Governo no mercado agrícola, no sentido de demonstrar que essa exerceu pressões altistas nos preços de mercado, isto é, nos preços recebidos pelos produtores do Rio Grande do Sule nos preços de atacado de São Paulo² dos produtos abrangidos por ela — arroz, feijão e milho. A hipótese acima fundamenta-se na particularidade que tem o setor agrícola de apresentar sazonalidade em seus preços. Durante o período de safra, a possibilidade de concentração da oferta proporciona uma queda nos preços agrícolas, enquanto, no período de entressafra, eles tendem a sofrer uma elevação.
No entanto, para um maior entendimento, seria necessário ressaltar, primeiramente, as relações intrínsecas das variáveis que delimitam o intervalo de livre atuação da iniciativa privada no mercado agrícola, como é proposto pela política, e lembrar, ainda, os motivos que deram origem a esse novo instrumento de política agrícola - o preço de intervenção (preço-teto).
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* Economista da FEE.
¹ Salvo, evidentemente, em situação onde esses mesmos agentes solicitam a presença do Governo para socorrê-los, como em conjunturas atípicas de mercado que decorram de inesperadas influências climáticas na produção ou, até mesmo, de decisões de política econômica inconvenientes para os subsetores envolvidos com a atividade agrícola.
² A opção pelo mercado atacadista de São Paulo decorre do fato de serem levantados nessa
praça os preços de atacado que servem de referencial para a determinação dos níveis do preço de intervenção.
O intervalo para a livre atuação dos agentes privados na comercialização agrícola constitui-se de um limite inferior, o preço mínimo,e de um outro superior, o preço de intervenção3. O primeiro preço é determinado com base nos custos de produção e, por isso, tem como seu análogo o preço recebido pelos produtores, e o segundo, calculado em função dos preços de
atacado, tem estes últimos como referencial. A intenção do Governo é permitir aos agentes econômicos negociarem as condições e os preços para a comercialização de seus produtos dentro desses limites, que são previamente estabelecidos. Entretanto, sempre que os preços de atacado ultrapassarem o preço-teto por 10 dias consecutivos, o Governo pretende intervir
no mercado, colocando seus estoques.
Quanto aos motivos que levaram o Governo à adoção do preço de intervenção, entende-se que estes decorrem das distorções provocadas pelo próprio Governo no sistema de formação dos preços agrícolas ao interferir no mercado, através tanto da compra da produção como da venda de seus estoques.4 Isso pode ser explicado, por um lado, porque o instrumento de política agrícola prlorlzado para orientar a produção a partir de meados da presente década, o preço mínimo, vale também para o comércio interno dessa produção;5 por outro lado, porque, ao menor sinal de elevação dos preços agrícolas no período de entressafra, o queéperfeitamente compreensível, o Governo colocava seus estoques no mercado a preços
subsidiados. Isto é, abaixo dos custos de transporte e de manutenção das mercadorias num determinado espaço de tempo. Dessa forma, tanto a compra como a venda de estoques resultaram em conseqüências danosas para o Governo: o primeiro oportunizou o acionamento recorde do instrumento Aquisições do Governo Federal (AGF) nas safras 1984/85, 1985/86 e 1986/87, ocasiões em que o Governo comprou, respectivamente, 14%, 11% e 18% da produção nacional de arroz, feijão, milho e soja, elevando enormemente
os gastos públicos; o segundo dificultou a participação da iniciativa privada na comercialização em períodos de entressafra, afastando-a gradativamente dessa atividade. Com isso, o Governo tornou-se o grande comerciante das safras agrícolas, o que exigiu recursos e incentivos cada vez maiores para a comercialização, em detrimento do setor de produção.
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3 O preço de intervenção é obtido através da média dos preços de atacado da praça mais representativa de cada produto (São Paulo) referentes aos últimos 60 meses contados a partir de junho de cada ano.
4 Além desses mecanismos aqui destacados, podem ser citados, ainda, o tabelamento e a proibição das exportações como medidas impeditivas da formação de uma estrutura adequada de preços agrícolas no mercado interno.
5 A reorientação da política agrícola para incremento da oferta — baseada na fixação de preços mínimos acima dos preços vigentes no mercado, em detrimento d o crédito rural a taxas de juro subsidiadas — já se fez notar a partir da safra 1984/85.
O recrudescimento do processo Inflacionário nos últimos anos e a necessidade ainda mais premente de controlar o "déficit" público levaram o Governo a uma reformulação substancial de sua atuação no mercado agrícola. A política de intervenção instituída em março de 1988 visou regulamentar a interferência governamental no comércio agrícola e permitir à Iniciativa privada participar mais enfaticamente dessa atividade.
A participação desses agentes foi, no entanto, amplamente facilitada pela fixação, na época, de preços-teto elevados, o que acarretou expectativas de preços crescentes no mercado. Os níveis de preço estabelecidos para uma provável intervenção do Governo foram bastante superiores aos seus próprios preços de referência, que são os do mercado atacadista, e oportunizaram amplas margens de negociação aos agentes privados, com o registro de uma diferença entre esses dois preços de 24% para o arroz, de 53% para o feijão e de 31% para o milho. A expectativa por preços agrícolas crescentes foi reforçada pelo fato de os preços mínimos e de os preços de intervenção terem sido, no decorrer de todo o ano de 1988, corrigidos sistematicamente pela antiga Obrigação do Tesouro Nacional (OTN).
Procedendo-se a uma atualização dos preços de atacado e dos preços recebidos pelos produtores pelo índice Geral de Preços-Olsponibilidade Interna (coluna 2), com base alterada para março de 1989, constatou-se que, de março de 1988, data de Implantação da atual política de intervenção, até fevereiro de 1989, um mês antes da fixação dos novos níveis
dos preços de intervenção, os preços de atacado registraram acréscimos reais acumulados de 24% para o arroz irrigado, de 32% para o feijão e de 5% para o milho. Já os preços reais recebidos pelos produtores apresentaram, no mesmo período, acréscimos acumulados de 47%, 37% e 24% para o arroz, o feijão e o milho respectivamente.6
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6 É oportuno lembrar que, embota produtores e agentes econômicos da comercialização tenham sido favorecidos com ganhos em seus preços durante todo o ano, a sociedade como
um todo foi penalizada, pois esses preços agrícolas sofreram acréscimos reais em plena safra (março a junho), quando comumente se observa uma queda nos preços ao consumidor.